Cientistas descobrem uma pista oculta para saber quando um cadáver congelado morreu: WebCuriosos
O que acontece com um cadáver em um ambiente extremamente frio? Ele se decompõe? Como essas condições afetam o modo como os cientistas forenses entendem quando a pessoa morreu?
Estimar a hora da morte, também chamada de intervalo pós-morteé uma tarefa complexa. Desempenha um papel importante nas investigações forenses, pois pode fornecer informações críticas sobre a linha do tempo dos eventos que levaram à morte de uma pessoa.
Essas informações podem restringir possíveis cenários e suspeitos, auxiliando na resolução de casos criminais.
Uma infinidade de fatores estão em jogo na cena da morte, desde as condições ambientais até o estado de saúde do indivíduo antes da morte.
Historicamente, os cientistas estimaram a hora da morte observando alterações físicas e biológicas post-mortem no corpo, como enrijecimento, coleta de fluidos e resfriamento.
Estes métodos são limitados, no entanto, pela sua variabilidade e dependência de fatores externos. O cálculo do intervalo post-mortem tornou-se mais preciso com o advento da biologia molecular.
Mas ainda é uma tarefa desafiadora, especialmente em condições climáticas extremamente frias. Freqüentemente, faltam sinais óbvios de decomposição em um corpo congelado durante os primeiros meses após a morte.
Somos cientistas forenses liderando os programas forenses no Universidade de Dakota do Norte e o Universidade Central de Lancashire. Usamos biologia molecular e bioinformática para desenvolver ferramentas que ajudem pesquisadores e investigadores a estimar com mais precisão o intervalo post-mortem.
Nossa pesquisa publicada recentemente na Frontiers in Microbiology descobriu que estudando os micróbios envolvidos na decomposição poderia prever o tempo decorrido desde a morte em condições de frio extremo com alta precisão.
Decomposição em ambientes frios
Nosso estudo ocorreu em Grand Forks, Dakota do Norte, um dos cidades mais frias dos Estados Unidosonde os invernos são caracterizados por temperaturas que podem cair para -40 graus Fahrenheit (-40 graus Celsius) e ventos fortes que podem atingir até 31 milhas por hora (50 quilômetros por hora).
Num ambiente extremamente frio como os invernos da Dakota do Norte, os métodos tradicionais podem não ser suficientes para compreender a decomposição e estimar a hora da morte. Por exemplo, o corpo esfria muito mais rápido em condições de frio, o que pode distorcer as estimativas com base na temperatura corporal.
Da mesma forma, ambientes frios podem atrasar o início e a duração do rigor mortis ou do enrijecimento do corpo. O processo de decomposição, incluindo a atividade de insetos e outros necrófagos que contribuem para a degradação do corpo, também pode ser retardado ou interrompido por temperaturas congelantes.
A neve é outro fator importante na investigação da decomposição. Pode isolar um corpo por retendo calor residual e aumentando sua temperatura ligeiramente acima do ambiente circundante. Este efeito isolante permite que o corpo se decomponha a um ritmo mais lento em comparação com corpos expostos ao ar livre.
Micróbios e tempo desde a morte
Em condições de frio extremo, torna-se necessário empregar meios adicionais para compreender a decomposição e estimar a hora da morte. Técnicas moleculares avançadascomo a análise do microbioma, da expressão genética e da degradação de proteínas, podem ajudar a fornecer informações valiosas sobre a cena do crime.
Cada organismo possui características microbianas distintas que agir como uma impressão digital. O necrobiomauma comunidade de micróbios associados a restos em decomposição, desempenha um papel crucial na decomposição.
Micróbios específicos estão presentes durante diferentes estágios de decomposiçãocontribuindo para a degradação dos tecidos e a reciclagem de nutrientes. Os investigadores forenses podem coletar amostras de quais micróbios vivem em um cadáver para deduzir há quanto tempo uma pessoa morreu com base na composição da população microbiana.
Nosso estudo se concentrou em identificar padrões comuns nas mudanças microbianas que ocorrem durante a decomposição em ambientes extremamente frios. Durante um período de 23 semanas, coletamos e analisamos 393 amostras de micróbios de dentro e de fora dos narizes de porcos mortos cobertos de neve.
Os porcos se decompõem de forma semelhante aos humanos e são comumente usado em pesquisas forenses. Desenvolvemos modelos para estimar o intervalo post-mortem combinando dados genéticos microbianos com dados ambientais, como profundidade da neve e temperatura externa.
No geral, descobrimos que as espécies bacterianas Psicrobacter, Pseudomonas e Carnobactéria pode prever melhor o tempo após a morte em condições extremas de inverno até seis meses após a morte, com uma margem de erro de pouco mais de nove dias.
Descobrimos que diferentes espécies bacterianas são mais abundantes em diferentes intervalos de tempo. Por exemplo, níveis de Psicrobacter aumentam cinco semanas após a morte e são mais abundantes em 10 semanas, enquanto Pseudomonas aumenta entre cinco a nove semanas e atinge um pico às 18 semanas.
Melhorando a ciência forense
A morte costuma ser um assunto desagradável para se trazer para uma conversa. Mas, do ponto de vista forense, ter técnicas e métodos para determinar quando alguém morreu pode ajudar a trazer justiça e paz aos entes queridos.
Nosso estudo descobriu que a decomposição não para completamente, mesmo em ambientes frios. O estudo do microambiente – as condições locais que rodeiam o corpo, incluindo temperatura, humidade e actividade microbiana – pode revelar informações cruciais sobre o processo de decomposição.
As principais espécies microbianas que identificamos serviram como biomarcadores de mortepermitindo-nos desenvolver modelos de hora da morte que os pesquisadores podem usar para superar as limitações de apenas examinar visualmente os restos mortais.
Os micróbios podem tornar-se uma peça crucial do puzzle durante o processo de investigação de uma morte, ajudando na construção de cronogramas mais precisos, mesmo em condições extremas.
Noemi ProcopioPesquisador Sênior, Faculdade de Direito e Policiamento, Universidade Central de Lancashire e Lavínia IancuProfessor Assistente de Ciência Forense, Diretor do Programa de Ciência Forense, Universidade de Dakota do Norte
Este artigo foi republicado de A conversa sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original.